materia publicada em 13/07/2010
Apesar da grande solidariedade recebida do povo brasileiro, é imenso o sofrimento e a dor que vivem milhares de famílias pernambucanas e alagoanas vítimas das enchentes ocorridas no mês de junho. Até o dia 30 de junho, 58 pessoas morreram, 155 mil pessoas estão desabrigadas e cerca de 90 cidades foram atingidas. Algumas dessas cidades estão inteiramente destruídas: não existem mais ruas, nem escolas, postos de saúde, sedes de prefeituras. A estimativa do Ministério do Planejamento é de que 50 mil casas foram destruídas.
Após duas semanas da tragédia, várias cidades sofrem com a falta d’água e de energia e nelas os moradores não se mobilizam para ver os jogos da seleção brasileira na Copa, mas para procurar por parentes desaparecidos, buscar comida ou encontrar algo no que sobrou das suas casas. Mas mesmo sem suas residências, muitas famílias desistiram de ir para os abrigos depois que foram informadas da existência de roubos e preferem dormir nas ruas. A polícia sumiu nesses municípios e a própria população faz turnos para se proteger de bandidos. Em Palmares, Pernambuco, centenas de famintos recolheram da lama alimentos como biscoitos e latas de leite jogados fora por um dono de um mercadinho. “Consegui um pacote de bolacha. São cinco meninos para dividir”, disse com um sorriso no rosto a dona de casa Janice Maria a uma repórter da televisão. Ao visitar a cidade de Palmares, o presidente Lula assim descreveu o que viu: “Faz dois meses que fui ao Haiti e acho que isso aqui está muito destruído. Pior não, porque o Haiti acabou”.
Em Alagoas, na cidade de União dos Palmares a situação é idêntica. “Estamos passando fome. Ontem tivemos que catar comida no meio da lama para dar aos meninos. Estamos comendo lama”, declarou Deise de Andrade à reportagem do portal IG.
De acordo com o Instituto Nacional de Meteorologia, é normal o aumento das chuvas nos meses de junho e julho em Alagoas e Pernambuco. Mas dessa vez o volume de nuvens foi muito grande devido e a elevação da temperatura no oceano ao aumento da umidade natural na faixa litorânea. Com o aumento das chuvas e com poucos açudes e barragens, os rios transbordaram e inundaram as cidades ribeirinhas.
Chuvas fortes e em grande quantidade foi o que previram os serviços meteorológicos, mas as famílias só foram avisadas em cima da hora. Em muitas cidades, no mesmo dia da tragédia, em outras um dia antes. Mas quem deu o aviso, o governo, não sabia exatamente o que aconteceria, pois o investimento em radares e satélites no Brasil é muito pequeno e a população não é orientada nem treinada para evacuar quando um fenômeno como esse está para acontecer. Diferente de Cuba, onde a um sinal de um furacão, toda a população é transportada de um lugar para outro e só volta após ter a confirmação de que nenhum perigo existe. Com a prevençã, pode se perder uma casa, móveis e roupas, mas não se perde aquilo que não se pode mais recuperar: a vida humana.
Na realidade, todo o trabalho de Defesa Civil em Pernambuco e Alagoas, mas também como ficou demonstrado em Santa Catarina, São Paulo, Rio de Janeiro etc, só ocorre após as tragédias, ou seja, não é preventivo, como explicou o professor de geologia da Uerj e da PUC, Cláudio Palmeiro do Amaral, em entrevista a A Verdade em março deste ano: “Não temos uma política de enfrentamento de desastres, que auxilie a prevenir e a gerenciar desastres. Isso se faz com educação, com informação e, nesse sentido, o Estado está muito atrasado, e não digo apenas o Estado do Rio de Janeiro, mas todos os estados da federação.(...) As chuvas estão muito longe de ser excepcionais, mesmo porque, ao longo do tempo geológico, tivemos períodos em que choveu muito mais que agora. O que a gente precisa é de prevenção de desastres.” (A Verdade, nº 114).
Prova disso é que, nos últimos sete anos, o governo federal gastou R$ 5,8 bilhões em assistência às vitimas de tragédias e apenas R$ 1 bilhão com prevenção.
Essa situação de falta de prevenção torna-se ainda mais grave quando sabemos que um terço da população – 54,6 milhões de pessoas – mora em condições precárias no Brasil, isto é, em áreas impróprias para moradia ou em habitações inseguras, conforme dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad). (A Verdade, nº 113).
Com efeito, de 1.º de janeiro a 16 de junho de 2010, ocorreu um aumento do número de municípios brasileiros (1.635) que tiveram estado de calamidade ou de emergência decretado pelo governo federal, em consequência de temporais, enchentes ou seca, segundo a Confederação Nacional de Municípios.
Agora, depois da tragédia e à espera de outra, o governo federal anunciou a liberação de R$ 550 milhões para os governos de Pernambuco e Alagoas reconstruírem as cidades destruídas e ajudarem as famílias vitimas das enchentes.
Trata-se de um valor praticamente igual ao que o governo brasileiro liberou em maio para o pacote do Fundo Monetário Internacional (FMI) de auxílio aos bancos gregos: US$ 286 milhões (506 milhões e 800 mil reais), dinheiro este retirado das reservas do país. Lembremos que em outubro de 2009, o governo federal havia entregado US$ 10 bilhões ao FMI para serem usados também para evitar a falência do sistema financeiro internacional, ou seja, de bancos internacionais e de grandes monopólios em crise, como a GM, Bank of America, Citigroup e outros.
Por que tanto dinheiro parta os ricos e tão pouco para os pobres? Com a palavra o escritor comunista José Saramago, falecido recentemente, em seu livro Levantados do Chão, citando Almeida Garret: “E eu pergunto aos economistas políticos, aos moralistas se já calcularam o número de indivíduos que é forçoso condenar à miséria, ao trabalho desproporcionado, à desmoralização, à infâmia, à ignorância crapulosa, à desgraça invencível, à penúria absoluta, para produzir um rico”.
Por tudo isso, torna-se cada vez mais necessário e urgente que as vítimas desse sistema injusto, que é o capitalismo, tomem em suas mãos o próprio destino e construam um poder popular para conquistar um governo capaz de inverter as prioridades; capaz de prevenir tragédias e não apenas derramar lágrimas, de consciência ou de crocodilo, após o fato consumado.
Fonte:
http://www.averdade.org.br/modules/news/article.php?storyid=495
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